PALAVRA NO CORPO SOCIAL: UMA PERSPECTIVA BAKHTINIANA
Lucimara Pereira[1]
Resumo
Segundo Mikhail Bakhtin, a palavra é o signo mais representativo da sociedade, visto que possui propriedades que fazem dela um material fundamental nas relações humanas. A partir desta perspectiva, este trabalho aborda a capacidade que as palavras têm de produzir sentidos que paulatinamente entram no campo ideológico de determinada sociedade. A mídia, grande divulgadora desses signos ideológicos, produz fenômenos capazes de até mesmo fazer algumas pessoas a confundir a própria identidade.
Palavras chaves: Propriedades da Palavra. Corpo Social. Ideologia. Sociedade
A natureza dos signos e força da palavra
No primeiro capítulo do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, Mikhail Bakhtin discute a natureza dos signos. De início, ele se detém naquilo que pode ser um signo — corpo físico, instrumento de trabalho, produto de consumo — para em seguida, deter-se na palavra, a qual, para Bakhtin, é o signo mais representativo da sociedade, visto que possui propriedades que fazem dela um material fundamental nas relações humanas. Bakhtin aponta cinco propriedades que caracterizam a palavra: pureza semiótica, neutralidade ideológica, implicação na comunicação ordinária, interiorização e ubiqüidade.
A despeito de suas qualidades, certas propriedades se alteram no corpo social, visto que se destinam a gêneros e temas do discurso que nascem de relações sociais específicas, sendo que em alguns momentos elas têm livre circulação e em outros elas são interditadas. “Tal perda acontece porque a psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da “enunciação” sob a forma de diferentes modos de discursos sejam eles interiores ou exteriores” (Bakhtin). Como exemplo, temos a questão da “neutralidade”: a palavra é neutra quando descontextualizada, no entanto, ao inserir em um enunciado concreto, perde a neutralidade e adquire aspectos ideológicos.
A interiorização é outro exemplo, pois, conforme Stella (texto on line, apud Brait, 2005, p. 187), ela “se dá entre o signo internamente circulante e o externo (...) os novos significados devem ser compreendidos pelo interlocutor”. Neste caso, o papel do receptor é fundamental, pois de seu lugar social determinará o os sentidos do conteúdo das mensagens.
Bakhtin (p.36) diz que: “a palavra é o signo mais puro que existe”, pois para ele os outros signos são sempre específicos de algum campo particular. O signo em si não possui uma única realidade e isso se dá pelo fato de ele refletir e refratar uma outra realidade. Em outras palavras, a palavra reflete uma realidade quando é mais fiel à realidade a que se refere, ou refrata quando distorce, por algum motivo – interno ou externo ao contexto da palavra – a realidade a que se refere.
O signo que circula na esfera da realidade concreta das instituições humanas, ou seja, na infra-estrutura, podem adquirir sentidos que paulatinamente entram no campo ideológico e alcançam a superestrutura. Exemplo disso está na palavra “herói”.
Em 2007, uma notícia ganhou notoriedade na mídia: uma criança, um menino de 5 anos, vestido com a roupa com desenhos do homem-aranha, entrou em barraco em chamas e salvou outra criança, um bebê. O texto “Pequeno herói salva criança de incêndio”, considera, pois, a influência que os super-heróis exercem na vida das crianças e a ideologia subjacente nessas histórias.
A notícia do “pequeno homem-aranha” é um exemplo de como a mídia influencia no comportamento social. A sociedade sofre efeitos diretos de ideologias subjacentes às palavras que determinam, muitas vezes, mudanças nas práticas sociais. No da notícia em questão, vê-se a influência dos heróis das histórias em quadrinhos no imaginário infantil. A palavra “herói”, no contexto do dicionário, significa “homem notável por suas qualidades extraordinárias por seu grande valor e coragem ou por seus desmandos e irregularidades”. No contexto real das práticas sociais, essa palavra ganha uma outra dimensão, pois entre batalhas, derrotas e vitórias da literatura infantil e desenhos animados, ela passou a agregar sentidos ligados a seres extraordinários, invencíveis, indestrutíveis. Esse campo de sentidos fascina principalmente as crianças que se identificam com os heróis favoritos. O pequeno Riquelme, vestido com a roupa do homem-aranha, sente-se um herói, “filho do Homem-Aranha”. Ele é tomado pela coragem e pela força que existe somente em sua imaginação, e acaba enfrentando o perigo real, sem sequer pensar nas conseqüências.
O exemplo de Riquelme mostra a força da palavra no corpo social. No caso dele, a palavra produziu sentidos em seu imaginário infantil, momento em que naturalmente as fantasias se misturam com a realidade, sendo que ambas, fantasia e realidade, desempenham papéis de suma importância no desenvolvimento da criança. A palavra é, pois, um signo que produz efeitos que podem ser imediatos ou efeitos que se constroem ao longo de um tempo maior.
Bakhtin adverte que a palavra, como signo ideológico, representa uma arena na qual as lutas se traduzem. Mas é importante acrescentar que não somente as lutas, mas também os desejos e as angústias do ser humano se mostram na palavra. A mídia ao utilizar esse material social flexível e ubíquo, tem o poder incalculável de construir ou destruir ilusões que a própria palavra produz.
Referências:
Bakhtin, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschivieira. São Paulo: Hucitec, 2004, pp. 31-37.
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/119.pdf - Acesso em 21de Nov. 2007.
Pequeno Herói salva criança em incêndio. Encontre esta reportagem em:http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA1661671-3586,00.html Acesso em 10 de Nov. 2007.
Os super-heróis e a ideologia pregada. http://formadordeopiniao.blogspot.com/2006/08/os-super-heris-e-ideologia-pregada.html Acesso em 21 de Nov. 2007.
Tv e Violência. http://www.influenciadamidia.blogspot.com/ Acesso em 20 de out. 2008.
[1] Aluna do Curso de Comunicação Social/Jornalismo. Trabalho apresentado na disciplina Análise do Discurso e Mídia, à Professora Shirlene Rohr de Souza.
Lucimara Pereira[1]
Resumo
Segundo Mikhail Bakhtin, a palavra é o signo mais representativo da sociedade, visto que possui propriedades que fazem dela um material fundamental nas relações humanas. A partir desta perspectiva, este trabalho aborda a capacidade que as palavras têm de produzir sentidos que paulatinamente entram no campo ideológico de determinada sociedade. A mídia, grande divulgadora desses signos ideológicos, produz fenômenos capazes de até mesmo fazer algumas pessoas a confundir a própria identidade.
Palavras chaves: Propriedades da Palavra. Corpo Social. Ideologia. Sociedade
A natureza dos signos e força da palavra
No primeiro capítulo do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, Mikhail Bakhtin discute a natureza dos signos. De início, ele se detém naquilo que pode ser um signo — corpo físico, instrumento de trabalho, produto de consumo — para em seguida, deter-se na palavra, a qual, para Bakhtin, é o signo mais representativo da sociedade, visto que possui propriedades que fazem dela um material fundamental nas relações humanas. Bakhtin aponta cinco propriedades que caracterizam a palavra: pureza semiótica, neutralidade ideológica, implicação na comunicação ordinária, interiorização e ubiqüidade.
A despeito de suas qualidades, certas propriedades se alteram no corpo social, visto que se destinam a gêneros e temas do discurso que nascem de relações sociais específicas, sendo que em alguns momentos elas têm livre circulação e em outros elas são interditadas. “Tal perda acontece porque a psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da “enunciação” sob a forma de diferentes modos de discursos sejam eles interiores ou exteriores” (Bakhtin). Como exemplo, temos a questão da “neutralidade”: a palavra é neutra quando descontextualizada, no entanto, ao inserir em um enunciado concreto, perde a neutralidade e adquire aspectos ideológicos.
A interiorização é outro exemplo, pois, conforme Stella (texto on line, apud Brait, 2005, p. 187), ela “se dá entre o signo internamente circulante e o externo (...) os novos significados devem ser compreendidos pelo interlocutor”. Neste caso, o papel do receptor é fundamental, pois de seu lugar social determinará o os sentidos do conteúdo das mensagens.
Bakhtin (p.36) diz que: “a palavra é o signo mais puro que existe”, pois para ele os outros signos são sempre específicos de algum campo particular. O signo em si não possui uma única realidade e isso se dá pelo fato de ele refletir e refratar uma outra realidade. Em outras palavras, a palavra reflete uma realidade quando é mais fiel à realidade a que se refere, ou refrata quando distorce, por algum motivo – interno ou externo ao contexto da palavra – a realidade a que se refere.
O signo que circula na esfera da realidade concreta das instituições humanas, ou seja, na infra-estrutura, podem adquirir sentidos que paulatinamente entram no campo ideológico e alcançam a superestrutura. Exemplo disso está na palavra “herói”.
Em 2007, uma notícia ganhou notoriedade na mídia: uma criança, um menino de 5 anos, vestido com a roupa com desenhos do homem-aranha, entrou em barraco em chamas e salvou outra criança, um bebê. O texto “Pequeno herói salva criança de incêndio”, considera, pois, a influência que os super-heróis exercem na vida das crianças e a ideologia subjacente nessas histórias.
A notícia do “pequeno homem-aranha” é um exemplo de como a mídia influencia no comportamento social. A sociedade sofre efeitos diretos de ideologias subjacentes às palavras que determinam, muitas vezes, mudanças nas práticas sociais. No da notícia em questão, vê-se a influência dos heróis das histórias em quadrinhos no imaginário infantil. A palavra “herói”, no contexto do dicionário, significa “homem notável por suas qualidades extraordinárias por seu grande valor e coragem ou por seus desmandos e irregularidades”. No contexto real das práticas sociais, essa palavra ganha uma outra dimensão, pois entre batalhas, derrotas e vitórias da literatura infantil e desenhos animados, ela passou a agregar sentidos ligados a seres extraordinários, invencíveis, indestrutíveis. Esse campo de sentidos fascina principalmente as crianças que se identificam com os heróis favoritos. O pequeno Riquelme, vestido com a roupa do homem-aranha, sente-se um herói, “filho do Homem-Aranha”. Ele é tomado pela coragem e pela força que existe somente em sua imaginação, e acaba enfrentando o perigo real, sem sequer pensar nas conseqüências.
O exemplo de Riquelme mostra a força da palavra no corpo social. No caso dele, a palavra produziu sentidos em seu imaginário infantil, momento em que naturalmente as fantasias se misturam com a realidade, sendo que ambas, fantasia e realidade, desempenham papéis de suma importância no desenvolvimento da criança. A palavra é, pois, um signo que produz efeitos que podem ser imediatos ou efeitos que se constroem ao longo de um tempo maior.
Bakhtin adverte que a palavra, como signo ideológico, representa uma arena na qual as lutas se traduzem. Mas é importante acrescentar que não somente as lutas, mas também os desejos e as angústias do ser humano se mostram na palavra. A mídia ao utilizar esse material social flexível e ubíquo, tem o poder incalculável de construir ou destruir ilusões que a própria palavra produz.
Referências:
Bakhtin, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschivieira. São Paulo: Hucitec, 2004, pp. 31-37.
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/119.pdf - Acesso em 21de Nov. 2007.
Pequeno Herói salva criança em incêndio. Encontre esta reportagem em:http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA1661671-3586,00.html Acesso em 10 de Nov. 2007.
Os super-heróis e a ideologia pregada. http://formadordeopiniao.blogspot.com/2006/08/os-super-heris-e-ideologia-pregada.html Acesso em 21 de Nov. 2007.
Tv e Violência. http://www.influenciadamidia.blogspot.com/ Acesso em 20 de out. 2008.
[1] Aluna do Curso de Comunicação Social/Jornalismo. Trabalho apresentado na disciplina Análise do Discurso e Mídia, à Professora Shirlene Rohr de Souza.
Um comentário:
Bom dia Lucimara, muito legal seu blog, li alguns artigos e são muito proveitosos, acreditos que os colegas de academia e de profissão estão aproveitando muito. Parabéns!
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